A criação da UnB é um marco na história da universidade no Brasil. Para entender a amplitude e importância do projeto UnB, é preciso rever a situação da ciência brasileira desde os seus primórdios. Isto seria impossível, além de cansativo. Este texto tem o propósito de resgatar a história, apresentá-la à geração de mestres, doutores e estudantes que freqüentam, quase 50 anos depois da fundação, os quatro campi da UnB. Reafirmamos assim o nosso compromisso com os ideais fundantes dessa instituição.
Sabemos do tardio aparecimento da universidade no Brasil, que só ocorreu mais de quatrocentos anos após a chegada dos colonizadores portugueses. As atividades de pesquisa científica no Brasil, até o início do século XX, eram incipientes e representavam o esforço individual ou de pequenos grupos ligados ao segmento acadêmico. Estes formaram as primeiras sociedades científicas no Brasil: Academia Brasileira de Ciência (1916) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1949). Entretanto, o exercício profissional de atividades de pesquisa e o esforço organizativo e institucional da ciência brasileira só apareceram nos anos 60.
Naquele momento histórico, em que a reforma universitária era discutida pela sociedade brasileira, surgiu a Universidade de Brasília. Um projeto arrojado, de uma instituição orgânica, que introduzia o conceito de indissociabilidade entre ensino e pesquisa; a organização dos cursos por meio do sistema de créditos; o conceito de departamento como unidade mínima acadêmica; o regime de trabalho em dedicação exclusiva e a pós-graduação como parte regular da atividade institucional. O modelo UnB foi influenciado pela proposta de Anísio Teixeira para a Universidade do Distrito Federal (1934-1937), superando em vários aspectos. Darcy Ribeiro assim descreveu uma das características próprias da UnB:
"Um dos projetos fundamentais da UnB, larga e maduramente planejado, era o de ajudar as universidades brasileiras a dar o passo decisivo para o seu amadurecimento. Refiro-me à institucionalização de um sistema de pós-graduação, não por meio de programas eventuais de mestrado e doutorado, mas de uma verdadeira ascensão ao quarto nível de educação. Isto é, acrescentar às redes de ensino de nível primário, secundário e ao terciário que é o superior, um quarto nível correspondente à pós-graduação. Somente alcançando este nível, aliás, uma universidade passa a merecer este nome". (UnB: invenção e descaminho, 1978, p117)
Embora raramente seja mencionada, a história da pós-graduação no Brasil passa necessariamente pela criação da Universidade de Brasília, como apontado por Darcy Ribeiro.
O compromisso da UnB com a capacitação de quadros altamente qualificados para a pesquisa e o ensino superior fez-se notar desde os primeiros momentos de seu funcionamento. Diversas unidades acadêmicas iniciaram seu funcionamento pela organização de uma estrutura de pesquisa e pela capacitação de recursos humanos no nível de pós-graduação. Os cursos de graduação teriam início após a existência de uma massa crítica de pesquisadores que comporia o corpo docente da unidade. Estudantes de pós-graduação eram contratados como instrutores e trabalhavam junto com os seus professores, enquanto se formavam como pesquisadores e como professores. Os estudantes de graduação se beneficiavam dessa estrutura através das oportunidades de envolvimento em pesquisa. A comunidade de estudos assim formada era algo extremamente inovador, que rompia a dura estrutura hierárquica criada pelas cátedras vitalícias e pelo ensino seriado que vigoravam nas universidades brasileiras.
O plano de carreira docente, algo também inovador no âmbito nacional, privilegiava a dedicação exclusiva, algo que era discutido desde 1948 pela SBPC. O ingresso na carreira dava-se no nível de instrutor, já citado, que era reservado à contratação temporária, até o limite de término do curso de pós-graduação. Nesta condição, os estudantes de mestrado e doutorado tinham proventos que lhes asseguravam condições econômicas de permanência nos cursos e dedicação exclusiva aos estudos e à docência.
Dados encontrados no Diagnóstico do Desenvolvimento da Universidade de Brasília 1962/1968 (UnB, 1969), indicam que a Matemática, a Física e a Psicologia ofereciam cursos regulares de pós-graduação. Nas demais áreas os "graus concedidos ao nível de Mestrado e Doutorado, o foram principalmente com base em trabalhos apresentados (teses) e, algumas vezes, estudos realizados sob orientação de Professores". De qualquer forma, os dados existentes mostram que desde a fundação até 1969, período anterior à regulamentação da pós-graduação no país, a UnB concedeu 74 títulos de Mestre e 23 títulos de Doutor, em 15 diferentes áreas de conhecimento. Um feito nada desprezível, para uma universidade que funcionava há apenas seis anos e que havia experimentado um período de interrupção de suas atividades em 1965.
A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão não só introduziu no país novas formas de organização, como possibilitou o surgimento de experiências pedagógicas inovadoras no ensino universitário e pré-universitário. Como exemplo concreto de tais inovações pode-se citar as primeiras experiências aplicadas do método Keller (PSI – Personalized System of Instruction, como ficou conhecido no mundo); o ensino do direito criado pelos tribunais; a formação de profissionais de saúde com forte atuação comunitária e as experiências pedagógicas desenvolvidas no CIEM - Centro Integrado de Ensino Médio.
A UnB foi planejada e estruturada para ser capaz de:
- “formar cidadãos responsáveis, empenhados na procura de soluções democráticas para os problemas com que se confronta o povo brasileiro, na luta pelo desenvolvimento;
- preparar especialistas altamente qualificados em todos os ramos do saber, capazes de promover o progresso social pela aplicação dos recursos da técnica e da ciência;
- reunir e formar cientistas, pesquisadores e artistas e lhes assegurar os necessários meios materiais e as indispensáveis condições de autonomia e liberdade para se devotarem à ampliação do conhecimento e á sua aplicação a serviço do homem.” (Plano Diretor da Universidade de Brasília, Editora UnB, 1962)
É inegável a atualidade desses objetivos. Queremos crer, parafraseando Darcy Ribeiro, que uma dada continuidade institucional ainda vincula a UnB de hoje ao projeto original. Como uma forma degradada da utopia, ela ainda será capaz de se auto-superar.